MONTEVIDÉU, URUGUAI E BUENOS AIRES, ARGENTINA. 26 de julho a 19 de agosto de 1832

Local 12

Sul inquieto: disputas políticas

Ao ancorarem em Montevidéu (Uruguai), em 26 de julho, foram imediatamente informados que a política local estava inquieta. No dia seguinte, visando fazer medições com o sextante, FitzRoy foi à ilha Rato acompanhado de Charles. Lá, “uma cobra com duas pequenas barbatanas traseiras” despertou a atenção de Darwin, que cogitou ser aquela uma transição entre cobras e lagartos.

No dia 28, ao desembarcarem no Monte (a colina mais alta da região), avistaram uma planície ondulante e gramada, com grandes rebanhos. Charles não se impressionou com o que viu. Contudo, a sensação de caminhar sobre sua imensidão e a beleza dos pequenos pássaros com cores brilhantes nunca antes vistas o deslumbraram.

Num outro dia foi com o capitão até a cidade, e ela também o decepcionou. Charles a considerou sem beleza arquitetônica, e achou as ruas irregulares e extremamente sujas. Porém, elogiou os habitantes por seus físicos atléticos e seus belos rostos expressivos.

Ao saber da existência de antigas cartas espanholas da Patagônia em Buenos Aires, no último dia de julho o Beagle cruzou o rio da Prata, rumo à Argentina, onde não tiveram uma recepção amistosa. Logo voltaram a Montevidéu, mas os dias que se seguiram foram cenário de disputas acirradas entre partidos opostos. Somente no dia 13, quando os problemas políticos e o clima lhes deram uma trégua, foi possível caminhar pela região. Charles ficou incomodado pela forma com que os grupos rivais se enfrentavam, e com a troca constante do grupo vitorioso. Comparou as batalhas presenciadas com as revoluções sangrentas na Europa e concluiu que seria difícil saber qual delas deveria ser mais temida.

A visão de um inglês num momento histórico conturbado
Entrevista de Ildeu Moreira

Escrito no período

Com a independência da Espanha recém conquistada, a Argentina (1816) e o Uruguai (1828) ainda lutavam para estabilizar a situação política do país. A tripulação do Beagle presenciou vários conflitos e foi convocada a intervir em alguns deles. Nos dias 5 e 6 de agosto de 1832, Darwin relatou:

Este foi um dia de grande relevância na história do Beagle. As dez horas da manhã o ministro do governo militar atual veio a bordo e implorou nossa ajuda contra uma séria rebelião de alguns recrutas negros. O capitão FitzRoy imediatamente foi a terra para verificar se se tratava de uma questão de grupos ou se os habitantes estavam realmente correndo risco de terem suas casas saqueadas. O chefe de polícia (Dumas) manteve seu cargo durante os dois governos e é considerado totalmente neutro; depois de interrogado, ele declarou ser sua opinião que estaríamos prestando um serviço ao estado desembarcando nossas forças. Enquanto isso se passava em terra, os americanos aportaram seus botes e ocuparam a aduana. Imediatamente o capitão chegou ao molhe e nos fez sinal para içarmos e tripularmos nossos botes principais. Em muito poucos minutos, o escaler, o cúter, a baleeira e o gig estavam prontos com cinquenta e dois homens pesadamente armados de mosquetes, espadins e pistolas. Depois de esperarmos algum tempo no píer, o senhor Dumas chegou e marchamos para um forte central, sede do governo. Durante esse tempo os insurgentes haviam plantado tropas de artilharia para dominar algumas das ruas, mas, fora isso, permaneciam quietos. Haviam previamente aberto a prisão e armado os prisioneiros. O principal motivo de apreensão devia-se a estarem eles de posse da cidadela que guarda a munição. Suspeita-se que todo esse transtorno se deva a manobras do antigo governo constitucional. Mas a política da região é quase ininteligível: sempre se disse que os interesses dos soldados e do governo atual eram idênticos e agora parece ver-se o contrário. O capitão FitzRoy não quis se imiscuir em nada disso: ele apenas permaneceria ali para garantir que não se atacasse a propriedade privada. Se o bando Nacional não fosse de pusilânimes covardes, podiam de pronto tomar a cidadela e acabar com tudo isso. Ao invés disso, eles preferem se proteger na fortaleza de Santa Lúcia. Enquanto os diferentes grupos tentavam negociar suas diferenças, permanecemos em nosso posto e nos divertimos assando bifes no jardim. No fim da tarde mandaram-se os botes para o navio e um deles retornou com roupas quentes para os homens acamparem durante a noite. Como tinha uma grave dor de cabeça, vim também e fiquei a bordo. Os poucos que restaram no navio, sob o comando do senhor Chaffers, foram, de toda a tripulação, os que estiveram mais ocupados: eles prenderam as redes de abordagem, carregaram e apontaram as armas e se preparam para o combate. Estamos agora, durante a noite, em estado de alerta máximo de modo a nos defendermos o melhor possível, caso o Beagle venha a ser atacado. A obtenção de munição seria o único motivo possível.

Os botes retornaram. As questões na cidade agora apresentam um aspecto mais decididamente de problemas internos e, como os recrutas negros estão cercados na cidadela pelo dobro de seu número de cidadãos armados o capitão FitzRoy considerou prudente retirar suas forças. É provável que em muito pouco tempo os dois lados opostos venham a se encontrar. Sob tais circunstâncias, estando o capitão FitzRoy de posse do forte central, ele teria achado muito difícil preservar seu caráter neutro. Há certamente muita excitação neste tipo de trabalho; mais do que suficiente para explicar a alegria intimorata com que os marujos se entregam mesmo aos mais arriscados ataques. E no entanto, como o tempo voa, é um mal perder-se tanto em uma parada vazia.

Você sabia?

  • Que próximo à foz do rio da Prata, o HMS Beagle foi cercado por pinguins e focas? Esses animais são encontrados em águas frias e fizeram tanto barulho que o primeiro-tenente do navio achou que tinham vacas mugindo em terra.
  • Que quando chegaram a Montevidéu, encontraram o capitão da fragata HMS Druid com 40 fuzileiros e uma centena de homens fortemente armados, que tinham como missão recuperar 400 cavalos roubados de um inglês que morava na região? A Marinha inglesa auxiliava os compatriotas nestas situações.
  • Que ao tentar obter registros hidrográficos coletados pelos espanhóis, o HMS Beagle teve uma recepção desagradável e que ocasionou em problema diplomático? Ao se aproximarem de um navio da guarda-marinha de Buenos Aires, o navio disparou algumas balas em direção ao Beagle. O capitão FitzRoy ficou furioso com o ocorrido e exigiu retratação ou afundaria os navio da guarda-marinha de Buenos Aires.
  • Que no dia 5 de agosto de 1832, o ministro do governo militar uruguaio esteve a bordo do Beagle, implorando ajuda militar para conter uma séria rebelião de alguns recrutas negros? FitzRoy ficou satisfeito em evitar um derramamento de sangue.
  • Que em 1821, o Brasil havia anexado a parte ocidental do Uruguai ao seu território? Juan Antonio Lavalleja (1734-1853) mobilizou força contra a anexação e, em 1828, o Uruguai teve reconhecida sua independência.

Galeria